Estava frio. Meu queixo batia sem parar, tinha a impressão de que, se minha língua ficasse no caminho, meus dentes a triturariam. Estava muito frio. No entanto, as folhas das árvores permaneciam estranhamente paradas, a superfície do lago, ao invés de ondular-se como sempre, havia se transformado no mais perfeito espelho; não havia vento algum, apenas a minha respiração, o resto parecia parado no tempo.
Lá estava eu, sentada no velho tablado, os pés à deriva. Além do frio mais cortante que já havia sentido, havia névoa. Mas não me importava, acho que não gastei um segundo a mais que o necessário ponderando sobre isso. Não tenho certeza sobre como havia ido parar lá, é uma daquelas coisas que não se explicam: uma necessidade estranha nos acorda e o instinto nos guia certeiramente aonde devemos chegar. E foi para aquele lugar esquecido no tempo que o instinto me levou. Não poderia ter sido outro: nenhum outro tinha o poder de entranhar-se em mim.
Enquanto meus pés balançavam frouxamente, meu cérebro dedicava-se a sua especialidade predileta: ruminar. Parece estranho, mas é exatamente isso. Minha mente tem essa mania chata de ruminar coisas há muito passadas, coisas que deveriam estar esquecidas, e, claro, não podemos deixar de lado o assunto preferido: detalhes que só importam a mim. Então, ali estava eu ruminando novamente. Sem me consultar, meu cérebro se voltara para o tópico mais complexo, aquele que, por mais que pensemos e repensemos, só fica mais e mais complicado. Acho que tentei me desvencilhar, mas não fui bem-sucedida. O pensamento já estava impregnado.
Em minhas considerações, voltei ao começo de tudo. Por algum motivo bobo me esforcei para lembrar quando foi que havíamos nos conhecido, mas nada veio; era como se, de uma forma ou de outra, ele sempre houvesse estado lá. Acho que todo o resto do mundo pensava que tudo sobre ele me afetava fortemente, que ele e apenas ele era a base da minha vida. Estavam errados, e somente nós dois sabíamos disso. Seu maior ensinamento a mim foi manter os olhos e os braços bem abertos. Era sua forma de pedir que eu tentasse entender e aceitar tudo para que não sofresse. Permaneci fiel a isso até onde me foi possível, mas, por motivos que desconheço, resolvi ignorar sua sabedoria justamente com ele. Podia ser a melhor pessoa do mundo, assim que botava os olhos sobre ele, fechava-me, erguia todas as minhas defesas. Acho que queria me proteger, sabia que ele era o mais perigoso para mim: o único realmente capaz de me influenciar. No meio de todo aquele frio, era nisso que pensava.
Tentava esvaziar minha mente concentrando-me na nuvem de fumaça que minha respiração produzia quando algo quente, um echarpe, envolveu meu pescoço frio. Era ele, era a minha frieza rígida contra a quentura acalentadora dele. Sentou-se ao meu lado, eu encostava os dedos de um dos pés na água, não nos olhávamos. Para qualquer outro, seria uma bela cena romântica. Para nós dois, era uma batalha silenciosa. Sob o echarpe dele, a minha frieza se dissolvia, a pele começava a se aquecer. Ergui meus olhos para olhá-lo, ele sorria, ele sabia. Perdi.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
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